21/08/2017 A Chupeta Digital. Uma reflexão sobre a internet.
Conhecem a chupeta digital?
Não, não estou falando sobre mais um lançamento da Apple ou um novo serviço criado pelo Google. Estou falando dos hábitos das crianças que fazem parte, muito precocemente, da chamada geração digital.
Basta olhar um minuto ao nosso redor para perceber que algo está errado com elas. Muito errado. Afinal de contas, quantas horas por dia uma criança passa tendo como melhor companhia um smartphone ou um tablet? As crianças estão vivendo em um estado de abandono digital, caminhando sozinhas nesse universo e afastando-se cada vez mais das brincadeiras não virtuais.
Coitado do amiguinho imaginário: perdeu espaço para o iPad.
Infelizmente, ainda não existem dados científicos comprovando os efeitos da exposição digital sobre a primeira infância. Mas já existem estudos mais aprofundados a respeito da influência da internet sobre um público ligeiramente mais velho. A ampla pesquisa desenvolvida pelo CGI (Comitê Gestor da Internet) sobre os hábitos de acesso à internet por crianças e adolescentes, entre 9 e 17 anos, revelou que 84% destas crianças acessa diariamente a rede e, do total de usuários, 70% acredita saber mais sobre Internet do que seus pais.
Não chega a ser surpresa para nós, pais, não é mesmo?
Mas e as crianças até os 6 anos de idade? Quem estaria observando o comportamento deles? Hoje, estas crianças são reconhecidas como precoces pelos pais orgulhosos, que veem seus filhos lidarem institivamente com todos os tipos de tela. Ironicamente, quem deveria estar orgulhoso com isso são os engenheiros eletrônicos, que foram capazes de desenvolver tecnologias cada vez mais amigáveis para a primeira infância.
Todos os anos são publicadas listas com os melhores aplicativos dirigidos aos bebês. As novas mães adoram. Elas entendem que a tecnologia, de alguma forma, está sendo decisiva para entreter, ou até mesmo, educar seu filho. “Tudo bem, o bebê se distrai, fica feliz”, é o que me disse uma mãe, com seu bebê no colo (e com o iPad no colo do bebê).
Segundo a Academia Americana de Pediatra, a exposição ao mundo digital só deveria ocorrer, em linhas gerais, após os dois anos de idade. Mas não é isso que acontece atualmente no país, no mundo e em absolutamente todas as classes sociais. Todas. Na opinião da dra. Evelyn Eisenstein, fundadora da E.S.S.E Mundo Digital, organização que prega o uso consciente das mídias digitais, o maior desafio é a conscientização dos pais. “A criança pequena só tem o que chamamos de visão bidimensional. Uma coisa é ver na tela a galinha pintadinha, a outra é ver a galinha de verdade correndo no quintal. Ela precisa dessa versão tridimensional. As crianças estão inclusive apresentando problemas de fala, e transtornos de sono, por causa dos tempos de maturação das diferentes estruturas e regiões cerebrais.
Estamos abreviando a infância dos nossos filhos. Estamos acelerando seu raciocínio. Estamos superestimulando nossos bebês. E fazemos isso sem perceber, afinal, nós mesmos estamos envoltos por esta “bruma digital”, que está enganando nossa visão, como um efeito especial de Hollywood.
É óbvio que há muito mais do que o interesse de pais e educadores nesta questão. Todos sabemos que o mercado de tecnologia é um negócio gigante e que não para de crescer, em todo o mundo (só no Brasil são 168 milhões de smartphones). Uma indústria tão poderosa, que quer mesmo explorar cada vez mais os mercados das gerações mais novas, para criar a dependência da chupeta digital e das tecnologias para o futuro.
É verdade que já existe uma corrente se opondo à digitalização excessiva a que todos nós (crianças e adultos) estamos sujeitos. Recentemente, uma grande revista de circulação nacional divulgou que nos Estados Unidos muitos usuários de smartphones já estariam aderindo a uma nova geração do antigo celular, que apenas faz chamadas e manda mensagens de texto. Seria a volta do “celular burro”, como se lê no título da matéria? Eu não apostaria meus bitcoins nisso.
Segundo o Center on Media e Child Health de Boston (cmch.tv), um importante centro de estudos sobre Mídia e Infância, os danos físicos ao desenvolvimento são muito maiores do que os possíveis benefícios referentes à exposição precoce. É preciso dirigir o olhar para essa geração, cujos hábitos dependem exclusivamente de nós. Nós, pais, educadores, membros do terceiro setor, formadores de opinião, temos a obrigação de unidos, evitar essa verdadeira epidemia de crianças abandonadas no universo digital.
Que a tecnologia está substituindo o olho no olho, pelo olho na tela, nós já sabemos. Mas o quanto ela estaria substituindo a atenção dos pais? O carinho? O brincar ? O tempo livre? Difícil tocar neste assunto (os pais estão ocupados demais neste instante, checando o WhatsApp). Talvez seja a hora da sociedade ter uma discussão mais aprofundada sobre o tema. Talvez tenha passado da hora de lançarmos uma campanha de conscientização sobre os riscos do acesso exagerado de crianças à internet.
Estamos diante de uma geração incapaz de lidar com angústia natural,
a inquietação. Uma geração onde todos são levados a se afastar de seus próprios sentimentos, distraídos por algo que brilha muito mais à sua frente.
E nessa espiral, os estímulos precisam ser cada vez maiores e mais constantes.
O resultado desse círculo vicioso é uma criança agitada, ansiosa, sem limites, e super-mimada (aquela que vive tendo "ataques").
Em que tipo de adulto se transformará? Consegue imaginar?
Nem eu.
Renata Proetti.
Consultora de Comunicação.
Mãe, publicitária e consultora de comunicação especializada no 3º setor.
renata.proetti@gmail.com
créditos: Istockphotos
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